A História da Tipografia
ti.po.gra.fi.a; [tipuɡrɐˈfiɐ]; do grego týpos, «tipo» +gráphein, «escrever» +-ia; nome feminino; 1. arte de compor e imprimir; 2. oficina onde se realizam as operações essenciais à composição e impressão; 3. sistema de imprimir com formas em relevo (tipos); 4. configuração e arranjo do texto.
Texto. A palavra texto [já agora, texto é um conjunto ordenado de palavras ou frases escritas de um autor ou de uma obra, por oposição a comentários, aditamentos, traduções, etc., feitos sobre ele] remete-nos para a transmissão de ideias, de conceitos, de palavras. Remete-nos para a comunicação, para a troca de informação entre indivíduos através da fala, da escrita, de um código comum ou do próprio comportamento. Neste caso aplicado ao objeto de estudo, interessa-nos unicamente a troca de informação através da escrita e/ou de um código que, na realidade, é a forma de comunicação mais importante para a maioria dos seres humanos - a tipografia.
O elemento que está presente em todo o lado. No chocolate que comemos, no jornal que lemos, na calçada que pisamos, nos placards que chamam a nossa atenção na rua, nos pacotes de açúcar que tão desprezadamente abrimos para misturar com o café... A tipografia faz parte do nosso quotidiano. Inconscientemente, ela comunica connosco, fazendo-nos sentir e reagir de determinada forma, transmitindo-nos mensagens, avisos, ideias, promovendo algo ou, simplesmente, fazendo alusão a qualquer estabelecimento ou serviço que poderá estar disponível.
O termo em si surgiu como referência à arte de compor e imprimir com caracteres móveis. Contudo a sua abrangência aumentou. Novos estudos e técnicas vieram a modificar o conceito. Deste modo, hoje, o conceito refere-se ao estilo, ao formato, ao tamanho, ao arranjo visual e ao conjunto de caracteres que constituem uma composição de textos utilizados num projeto gráfico.
Mas, sendo assim, como evoluíram os caracteres ao ponto de termos ao nosso dispor a diversidade que temos hoje em dia?
A pré-história foi o ponto de partida. O homem, que por definição é um ser social, acabou por ter de conseguir encontrar uma forma de comunicar com outros seres iguais a si de modo a formar grupos que lhe possibilitariam maior força, segurança e conforto. Deste modo, de forma a transmitir pensamentos, sentimentos e conhecimento, começou a comunicar através de gestos auxiliados, posteriormente, por uma linguagem aperfeiçoada.

Quando os primeiros homens se começaram a fixar em determinados locais - ou seja, quando
deixaram de ser nómadas e dependentes do que a natureza lhes proporcionava -, estes começaram a criar os seus próprios produtos agrícolas em paralelo com a criação de gado. Assim, algures na parte sul da antiga região da Mesopotâmia, por volta do ano 3200 a.C, mais precisamente na Suméria, foi criado o primeiro primeiro sistema de escrita - o cuneiforme [em forma de cunha]. Esta prática era exercida sobretudo em placas de argila através de pictogramas elaboradas com um instrumento pontiagudo que tornava as formas um tanto ou quanto abstratas.

Não muito tempo depois, por volta do ano 3000 a.C, nasceu, no Egipto, um outro sistema de escrita através de hieróglifos. Estes, eram desenhados em pedras e possuíam um nível de detalhe bastante elevado - quer na representação de animais, deuses, pessoas e/ou objetos - daí, era necessário bastante tempo para a sua realização. Para este povo, a escrita detinha um valor mágico, transcendente ao seu mundo. Era um privilégio que se refletia na hierarquia do povo egípcio, sendo que nem todos saberiam escrever e os que sabiam - denominados escribas - posicionar-se-iam na terceira parte (de seis) da pirâmide que regia a comunidade deste povo ancião. Ficariam apenas por de baixo do faraó e dos sacerdotes, mas sobrepunham-se a outra força extrema do império: os militares.
Por volta de 1500 a.C., os egípcios desenvolveram o papiro, uma espécie de papel primitivo conseguido através do entrelaçamento da fibra de uma planta com esse mesmo nome, que abundava nas margens do rio Nilo. Esta inovação excecional para a época revolucionou o mundo da comunicação, uma vez que criou uma grande facilidade no transporte de uma mensagem. O utensílio que se usava para desenhar a mensagem passou a ser um pincel conseguido através de um pau de junco que, auxiliado com tinta, perpetuaria a mensagem no papel.
300 anos depois, em 1200 a.C., na Fenícia, conhecida pelos seus navegadores e comerciantes, criou-se o alfabeto fonético com 22 caracteres baseados em ideias antigas. Os fenícios, muito devido a serem um povo sobretudo de comerciantes, necessitaram de criar um meio rápido e eficaz de comunicar, inclusive com outros povos que falariam outros idiomas. Assim, com este alfabeto fonético, era possível criar transcrições de outras linhas orais. Uma vez que o número de caracteres era muito reduzido, a alfabetização tornou-se algo muito mais acessível e prático. Este tipo de comunicação criada pelos fenícios era tão eficiente que em pouco tempo se alastrou a muitos dos povos que envolviam o mar Mediterrâneo.
Entre estes povos, encontravam-se os gregos que em 800 a.C. adotaram este alfabeto modificando-o consoante as suas necessidades. Adaptaram as primeiras vogais e acrescentaram três novas consoantes. Cerca de 200 anos depois, em 500 a.C, alcançaram o apogeu e a plenitude dos seus estudos e do seu ser enquanto civilização. A cultura grega que, histórica e cientificamente é apelidado por cultura helénica, teve como grande difusor Alexandre o Grande, que entre 356a.C. e 323a.C., apesar de não ser grego, difundiu esta cultura e o alfabeto desde o Egito, à Mesopotâmia e à Índia.
Contudo, é no império romano que encontramos as versões mais antigas do alfabeto moderno. Assim como os gregos utilizaram e modificaram o alfabeto fenício, os romanos fizeram o mesmo com o alfabeto grego. Como política de conquistar os territórios vizinhos (pois os romanos queriam formar aquilo que apelidavam Mare Nostrum), este povo ampliou a sua influência por toda a Europa continental, Reino Unido, Golfo Persa e Norte de África. Conquistando um território novo, os romanos construíam arcos do triunfo com inscrições comemorativas em latim (língua oficial de todo o império e que deveria ser apreendida por todos os povos submissos), reafirmando a soberania e aproximando todos os povos .

As inscrições romanas exercidas em pedra, possuíam uma característica completamente inovadora: a serifa - pequenas extensões nas extremidades dos traços de uma letra. Muitas são as histórias das suas origens, alguns acreditam tratar-se de uma fenda/fragmento/prolongação de uma guia feita com pincel e tinta que criava traços finos e grossos. Estas, posteriormente acabavam por ser seguidas à risca pelos pedreiros que gravavam as palavras em pedra e criava-se a serifa. Outros, afirmam tratar-se uma tática de acabamento específica da técnica de cinzelar o mármore. A verdade, é que este foi a primeira forma de escrita onde a serifa foi utilizada como membro estruturantes de uma letra.
Com a queda do império romano, já em 476 d.C, a instituição que prevaleceu e unificou os povos foi a Igreja Católica Romana. Durante a Idade Média, esta instituição mantinha mosteiros e igrejas espalhados por quase toda a zona da Europa onde habitavam os chamados monges copistas. Estes homens, para além de pertencerem à fé, eram especialistas que se dedicavam à cópia da Bíblia e de textos antigos que se encontravam em pergaminhos e rolos de papiro que se degradavam facilmente com o avançar dos anos. Estes manuscritos (que eram posteriormente anexados nos chamados livros jóia), demonstravam os diferentes estilos regionais de letra manuscrita da era medieval, uma vez que a sociedade se organizava em feudos isolados uns dos outros.

Por volta do ano de 1400 d.C., na cidade que conhecemos hoje em dia como Maiz (Alemanha), nasceu Johann (Gensfleich) Gutenberg - um ferreiro e artesão multifacetado que desde 1438 trabalhava num projeto mais fácil para a criação de livros. Este alemão criou uma técnica revolucionária que se baseava na criação de caracteres móveis (que variavam apenas na largura) que, posteriormente, eram organizados de modo a criar o texto ou colunas no chamado caixilho de paginação ou rama - uma moldura retangular de ferro onde era aplicada tinta especialmente desenvolvida. De seguida, esta prensada contra o papel (utilizando uma versão da prensa de esmagar uvas para a produção de vinho) criaria a impressão. Uma página, após montada, poderia produzir centenas de folhas iguais que depois seriam encadernadas.

Assim, Gutenberg tornou a impressão um processo de produção viável. Nasceu, portanto, a segunda maior invenção do segundo milénio: a imprensa. As letras escolhidas por Gutenberg tinham por objetivo imitar o máximo que pudessem o aspeto manuscrito criado por um escriba. Este tipo de letra ficou conhecido como
black letter ou letras negras, que é considerada a primeira fonte. Este termo vem do latim
fundére, que significa fundir. Na tipografia, chama-se fonte a um conjunto completo de todos os caracteres, incluindo maiúsculas, minúsculas, números e sinais.
O método de impressão conseguido através da caracteres móveis criou tanto sucesso que dali a 50 anos existiam mais de mil impressores por toda a Europa, produzindo livros com tiragens de 200 a mil exemplares. A 1487, era impresso o primeiro livro em Portugal (em Faro).
Novos modelos de fontes foram produzidos, sendo que geralmente eram baseados em letras manuscritas antigas. Esta criação poderá ser classificada como estilo antigo, ou old style, que começou com os tipos venezianos (1470), unindo as capitulares romanas, minúsculas carolíngias e numerais indo-arábicos. Posteriormente, evoluiu-se para o tipo franco-aldino (1540) e atingiram o seu apogeu com o tipo anglo-holandês (1725).
Após este período surgiram os tipos transicionais (1757) que introduzem o estilo moderno (1781) - com as suas serifas finas e retas, com alto contraste entre os traços das hastes e comum enfoque racionalista que desprezou o tipo de letra que pretendia seguir os traços manuscritos. Estávamos, então, no século das luzes, das grandes Revoluções.
A revolução industrial que se dá no século XIX e que tem como consequência o aumento da produção industrial, ressaltou a necessidade de fontes com fim comercial (divulgação e venda). Assim, são criados diversos estilos que passam pelos decorativos (muitas das vezes sem pretensão de refinamento ou elegância) , os egípcios (ou de serifa quadrada), e os cursivos (que retornam a inspiração em tipos manuscritos).
No começo do século XX, os tipógrafos revoltaram-se quando se aperceberam do excesso de estilos existente. Deste modo, apresentam um novo conceito de tipos da era da máquina: o estilo sem serifa. Que propunha representar o tipo ideal, a solução racional e estética para qualquer questão tipográfica. O aparecimento do computador digital, a partir da década de 80, facilitou a criação e o uso de tipos. Aumentou o número de fontes exponencialmente, assim como a quantidade de estilos, o que tornou a classificação de todos os tipos digitais praticamente inviável.
Contudo, a era digital democratizou o uso da escrita de uma forma sem precedentes. Os tipos evoluíram e continuarão a evoluir, mas onde acabará isto? Assim, cabe a nós, a nossa geração prever e concretizar esse futuro.
Referências:
[1] FONSECA, Suzana Valladares, A tradição do moderno - Uma reaproximação com valores fundamentais do Design Gráfico a partir de Jan Tschichold e Emil Ruder, 2007
[2] HEITLINGER, Paulo, Tipografia, origens, formas e uso das letras, Ed. Dinalivro, Lisboa